O sempre corrigir dos rumos

Ahch-To é um planeta fictício do universo de Star Wars, cultura pop. Apesar da pouca profundidade espiritual e da completa falta de lógica científica, a história sobre a Ordem Jedi me iluminou algo importante e óbvio: o balanço da Força. A tal mágica que permeia o universo de Gogru e Yoda, que certamente não é o nosso universo relativístico-determinístico.

Caos puro e completo não existe.

Tudo acontece por algum propósito, a tal Força sendo o principal agente. No oitavo filme da franquia principal, intitulado o "Último Jedi“, passa-se uma cena onde a personagem Rey é tutelada por Luke Skywalker sobre como a ”Força“ conecta as coisas opostas do universo: vida e morte, paz e violência, calor e frio. A própria Rey é um componente de balanço criado pela Força, contrapondo Kylo Ren.

Rey e Luke em Ahch-To. Créditos: Vanity Fair


Templo original dos Jedi, Ahch-to fica numa galáxia muito, muito distante. Perto da Terra temos RX J1856.5−3754, designação da estrela de nêutrons mais próxima de nós, a 400 anos-luz na constelação de Corona Australis. Esses trilhões de quilômetros distância, não são nada em termos galácticos. Nossa RX3754, como prefiro chamá-la, é logo ali na esquina e nos ensina muito mais sobre as forças de balanço do universo, do que os filmes fantasia criados por George Lucas.

Uma estrela de nêutrons é o coração duro de uma supernova, o núcleo remanescente de uma estrela pelo menos oito vezes mais massiva do que o Sol. Após a explosão espetacular e a ejeção da maior parte da massa original, caso o núcleo restante tenha no máximo três massas solares, então transformar-se-a numa estrela de nêutrons. Maior do que três sóis, seria um buraco negro.

RX374 tem o tamanho da cidade de Belo Horizonte, mas tem massa 300 mil vezes maior que a massa da Terra (0,9 massas solares). Um pedaço de RX374 do tamanho de um pão-de-queijo, pesa mais do que a Serra do Curral inteira. Fosse três vezes menor em diâmetro ou três maior em massa, RX374 seria um buraco negro.

A probabilidade dita que existem na Via Láctea cerca de um bilhão de estrelas de nêutrons e talvez a mesma quantidade de buracos negros. Equilíbrio? Balanço, o universo prospera sobre forças balanceadas.

A força da gravidade é a responsável por fazer a matéria colapsar sobre si própria, encolhendo e adensando-se cada vez mais até formar um buraco negro. Teoricamente, qualquer quantidade de matéria pode ser adensada até o ponto em que se torna um buraco-negro. No entanto, são as estrelas de nêutrons como a RX374 que passaram mais próximas desse colapso gravitacional de forma natural.

Sendo tão densa, tão pesada, RX374 tem uma gravidade estupenda na superfície. Um quadrilhão de vezes mais forte do que a força da gravidade na Terra. O que então impede que RX374 de colapsar sobre o peso da própria gravidade e transforma-se num buraco negro? O balanço de forças.

Ao contrário da fantasia de Star Wars, nosso universo é balanceado não um por força mágica apenas, mas por quatro forças fundamentais. Estrelas de nêutrons evitam o próprio colapso em buracos negros, contrapondo a força da gravidade com a força nuclear forte. Enquanto a gravidade “puxa” tudo para o centro, a força nuclear forte repele os nêutrons uns contra os outros .

A parte do universo que nos compete, ou seja, nosso sistema solar, é composto principalmente por matéria atômica comum. Átomos e moléculas mantidos em ordem pela ação da força da gravidade, força nuclear forte, força nuclear fraca e força eletromagnética. As quatros forças fundamentais.

Quando foi descoberta na década de 1990, achávamos que RX374 estava à apenas de 150 anos-luz de distância e que tinha apenas 4 km de diâmetro. O que era tudo muito pouco, desbalanceado por demais. Nessas condições, RX374 teoricamente deveria ser um buraco negro ou estrela de quarks.

Observações mais modernas e mais precisas, revelaram uma condição mais normal de 400 anos-luz e 14 km de diâmetro. Ela também é mais fria, apenas 434.000 ºC contra os 700.000 ºC anteriormente estimados. Por ser a estrela de nêutrons mais próxima da Terra, RX374 ainda será objeto de estudo eterno dos astrofísicos, que cada vez tornarão com medições mais precisas.

Supondo que tivéssemos uma nave capaz de viajar quase a velocidade luz, e montássemos uma expedição de 400 anos para ir visitar RX374, qual seria a precisão necessária nas medições de distância e posição desta para que chegássemos em segurança? Considerando que à velocidade da luz, cruzaríamos os 14 km diâmetro de RX374 numa fração de micro-segundo, essas medições deveriam ser impossivelmente precisas.

A luz que emana de RX374 demora 400 anos para chegar a Terra, portanto a enxergamos hoje com quatro séculos de atraso. Além disso, a própria estrela se movimenta no espaço à 108 km/s. Se confiássemos somente nas medições atuais para sair do nosso sistema solar e navegar até RX374, certamente nos perderíamos no caminho.

Precisamos ir por essa estrada sideral, viajando e medindo a posição do destino final ao mesmo tempo. No início marcaríamos uma linha reta e ligaríamos os motores. Uma vez por dia, auferiríamos novamente a posição de RX374. Cada vez corrigindo o leme da nave por frações de ângulo. Quanto mais perto do destino, maiores seriam as correções do leme.

Faríamos portanto uma viagem interestelar em modo balanço, como qualquer outro processo construtivo do universo. Uma viagem em zig-zag, evitando desviar demais para estibordo ou bombordo.

E o zig-zag é o nível de precisão que resta a nós humanos, seres imprecisos, limitados em nossa capacidade de prever o futuro. O universo é determinístico. A matéria que nos compõe, que forma a Terra e o sistema solar, se comporta conforme a ação das quatro forças fundamentais segundo as mesmas equações e constantes universais que regem o interior das estrelas de nêutrons.

Nada acontece por acaso, porque tudo faz parte de uma cadeia de eventos linear iniciada no início do tempo, no Big Bang. Nossa percepção de caos deriva do fato de que nossos meios tecnológicos e nosso próprio cérebro não é capaz de auferir e processar a quantidade de informações necessária para prever o futuro.

Caos puro e completo não existe.

O que existe é nossa incapacidade de entender por completo o universo que nos cerca. Por isso andamos em zig-zag; e um só sabe se está dentro dos limites de bombordo e estibordo, quando constantemente aufere o quão desviado está do seu objetivo final.

A que se ter objetivo final sempre, e viver em balanço dentro dos limites.

E limites cada um tem os seus, porém existe um geral que se ultrapassado desbalanceia o viver: a ponte que te liga ao caminho no sentido oposto. A que se manter essa ponte sempre, aberta na direção que se usará para contrapor e assim balancear o andar atual. Não se balanceia seguindo na mesma direção, portanto não se pode destruir, queimar a ponte.

A que se evitar a destruição sem sentido das coisas.





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