O não-trovejado que se impõe sobre tudo vindo do nada

Mandamentos do novo ativismo

Novo o é para mim, porque talvez você que lê já seja um ativista que milite dentro dessa "nova" concepção há tempo, de modo que para ti é velha. Só espero que não seja lhe inútil, porque se assim o for, a decepção espera por mim próprio mais adiante.

São mandamentos não-ditados, não-trovejados, não-divinos, não-escritos no sentido verso e reverso da direita-esquerda aramaica ou latina. Mandamentos o são, porque se os sujeitasse como "imandamentos" ou "anti-mandamentos", menos entenderiam aqueles poucos que já entendem. São mais é orvalho, e o ativista é uma folha verde. O senhor pode até desprezar os mandamentos enquanto estás sob o sol, mas a noite virá e brumas se formarão do límpido ar, e assim como o orvalho acumula-se por sobre a vegetação, a realidade lhe imporá o seguimento destes comandos.

Para os críticos que o são apenas por serem, começo já me defendendo com o primeiro tópico desse novo ativismo político.
Moisés e dos Dez Mandamentos. Créditos: Livraria do Congresso dos Estados Unidos

Não destruirás


Todo ativismo tem objetivos a serem alcançados, assim seguimos os perseguindo, por exemplo: construir um prédio público em tal lugar, travar o declínio do lago da represa na cota tal. Mas de tão bem definidos que são esses objetivos, que a estatística provê tantas outras opções terminais fora desses objetivos, que o próprio ativista deve examinar a todo momento se aquilo que foi conseguido de modo parcial, já não é suficiente? Valeria esforço e risco para se chegar ao ponto exato que se objetiva?

Atingir o objetivo, qualquer que seja, sempre será muito difícil. Não importa a dimensão da mobilização política necessária, basicamente é a estatística que joga contra nós. Por isso, mais importante do que atingir a meta, é seguir na direção desta. E este manter a direção, implica em não ir no sentido oposto, no voltar atrás, no destruir daquilo que já se tem de bom.

Então o primeiro, digamos, mandamento do novo ativismo é não destruir ou deixar que as coisas sejam destruídas. Não sem antes propor e construir algo melhor. E é aqui que pego os meus críticos:


- O senhor que lê, se for para criticar aquilo que escrevi, pois que critique com a obrigação de também propor algo melhor.


Destruição pura e simples, é o principal combustível para o caos.

Serás dois corpos e um só espírito


Bíblico que parece, este mandamento também é iluminista. Dos textos de Montesquieu, autor de “O espírito das leis” e proponente do sistema de freios e contrapesos para o poder político. Sistema este concebido com apenas dois poderes: executivo e legislativo. O judiciário foi incorporado depois a essa teoria por outros pensadores. Hoje temos na maioria dos países, três poderes compondo os governos. É sobre este último, que chamo de um corpo: o governo é um dos corpos que compõe a sociedade.

O outro corpo é o resto do povo. A maioria da qual o poder de fato deriva, organizada em torno de grupos político-ativistas. Nós. O espírito que une os dois corpos, teoricamente, é o avanço da civilização humana.

Dois corpos o são, porque funcionam de formas diferentes. O governo constrito pela letra da lei e remunerado. O ativismo, guiado pela transcendência do espírito da lei e não remunerado.

Um só “espírito” precisam ser, porque tal substantivo é de ordem mais importante que "o corpo" perecível; e assim confere também mais importância ao termo "união" em contraposição ao pensamento predominante atual de "separação dos poderes".

Não é a separação institucional entre os poderes da república que me preocupa, não. Esta até acho essencial também, pelo menos no campo funcional. Não me preocupa porque tal separação nunca é absoluta, assim como também não é absoluta uma perceptível união entre os poderes (embora seja de viés excuso). Sejam os três poderes contidos no corpo do governo ou o poder primordial da sociedade civil, minha preocupação vem da separação entre o poder e as consequências do poder.

Indivíduos ou coletivos que decidam sobre o destino de terceiros, somente tomarão boas decisões se sobre si próprios recaírem os malefícios das decisões erradas. Caso contrário, decidem só por decidirem, sem vistas ao objetivo intermediário e local (assim, porque o final e global é o progresso da civilização). Nesse aspecto, o ativismo cívico sem qualquer proteção por vias de remuneração ou de privilégios na estrutura do estado, acaba por ser o poder basal da república: pois que sendo a própria sociedade, não consegue se dissociar do preço das decisões que toma.

No sétimo dia não descansarás


O ativismo aqui é o da política, ciência que não é ciência. Não tem respostas exatas, ou mesmo terminais. Política é o zanzar, e por isso o ativismo é seu próprio contrapeso: enquanto um grupo busca tal objetivo, outro grupo, tão bem intencionado quanto, busca o objetivo oposto. Sendo possível que ambos estejam certos, bastando não estarem errados demais.

No sétimo dia Deus descansou, porque achou que tudo estava criado. Para depois perceber que faltava o homem, e a este faltava a mulher. E depois os expulsou do paraíso. E depois continuou olhando por todos, até hoje, tendo descansado só naquele primeiro sétimo dia, porque a missa mais importante é a de sábado e Ele precisa escutar nossas preces.

Deuses não somos, portanto a nós não cabe nenhum um dia de descanso.

Não invocarás o Santo Nome de Deus em vão


Por séculos e séculos, o argumento infalível para terminar qualquer discussão racional era: porque Deus quis! Nesse sentido pré-contemporâneo, o “Santo Nome de Deus” é literalmente o próprio “Santo Nome de Deus”. Mas na era da pós-verdade que vivemos, o “Santo Nome de Deus” tem esse e outros sentidos.

Esses novos sentidos são os novos dogmas que a sociedade recicla constantemente. Tidos por verdades absolutas para aqueles que sob sua ordem vivem. Não faz mal viver sob dogmas, eu vivo sob os meus. Mal tem em não saber que se vive sob dogmas - os meus, conheço-os e os escolhi por vontade própria - e querer impor seus dogmas sobre os outros.

E política se faz para convencer o outro a agir numa direção conjunta. Direção essa, com sentido limitado pelos dogmas de cada um. A política, e portanto o ativismo político, avançam por meio do consenso. Um consenso daquilo que é possível, e só é possível aquilo se propõe respeitando os dogmas de cada um, porque ninguém convence o outro a abandonar os próprios dogmas. O ativismo político que precisa mudar os dogmas da sociedade para alcançar seus objetivos, está fadado ao fracasso.

Alguém abandona seu próprio Deus? Abandonar de verdade mesmo, não apenas em aparência? Não, ninguém abandona seu próprio Deus. Ateus ou convertidos se formam, principalmente porque o próprio Deus primeiro os abandonou. A mudança de dogmas vem de dentro de cada um.

Ao ativismo cabe no máximo flanquear dogmas, solapar suas bases. Atacar dogmas alheios, assim como fazemos ao invocar o “Santo Nome de Deus”, sempre é em vão.

Não parecerás sepulcros caiados


Na política tu és o que parece ser. Então sentido não há em lhe dizer para não ser um escriba belo por fora, podre por dentro. Um sepulcro caiado.

Se pareceres um fariseu hipócrita, o parece porque és. Assim o tratarei, e assim serás tratado por todos aqueles que tu queres que lhe sigam na sua pregação ativista.

No ativismo, caiados e cheios de ossos de cadáveres são aqueles que ativam por autopromoção, por puro e simples sensação mesquinha de se sentir importante, ou por objetivo estrangeiro de usar a causa como trampolim. Assim são tantos, que parecem ser todos os eleitos nesta república proclamada mas nunca de fato instaurada.

Não parecerás como eles, porque tu que é o Pedro desse ativismo, tu és pedra dura que não se deixa levar pelos imediatismos dos menores. Tu és sério, científico na sua análise, crítico de si próprio, reconhecedor das próprias fraquezas. O muito que ouve, pouco diz. Mas o que diz é ouvido, atenção a tens porque é visto como sério e comprometido. Em tu, os seguidores confiam, mobilizam-se. Ativam. Votam conforme.

E como se parecem os sepulcros caiados de hoje? Os que gritam em redes sociais. Os do baixo clero. Embusteiros. Reacionários. Os puxa-sacos. Os tira foto de si. Os "eu fiz".

Talvez os fariseus sejam úteis à causa, assim como úteis são os fusíveis. Úteis, concedo. Mas não são pedra.

Agirás no tempo certo para cada propósito debaixo do céu


Há tempo de arrancar o que se plantou, mas só se arranca aquilo que se planta e que cresce. Então há que se ver o mandamento do tempo como data e prazo, reescrevido: agirás na data certa e prazo corrido para cada propósito debaixo do céu. E data e prazo são um só que se têm diferentes para propósitos diferentes, e que podem assim serem concomitantes. Em datas futuras de longos prazos, abrigam-se entremeados muitos outros de datas próximas e médias, em prazos curtos.O que se quer colher, se quer depressa. Mas o tempo da natureza é um só, e dos homens são muitos; conforme a variedade de homens e diversidade de ansiedades dentro dos próprios.

É do rol das histórias falsas que merecem ser verdadeiras, tal é a profundidade das palavras nesta: “ainda é muito cedo para dizer”, respondeu Zhou Elai sobre a Revolução Francesa. Ali na planície Zhongyuan, unificada vinte e dois séculos atrás por Qin Shi Huang Di, os 182 anos que separam a queda da Bastilha da visita de Henry Kissinger à China, realmente podem parecer pouco tempo. Repousa resiliente ao norte partes da grande muralha de Huang Di, e ao centro permanece intacta e milenarmente selada a tumba do próprio. Assim como o governo central chinês, onipotente por cada noventa anos dentre cem, desde o primeiro imperador.

O que jaz dentro daquela tumba? Saberemos ao abri-la, porque o que resta é o que ali está. Não necessariamente o que foi posto. O que foi posto? Saberíamos somente se vinte e dois séculos regredissemos em máquina de H.G. Wells. Mas tal máquina não existe, nem nunca existirá. A lei da causalidade é suprema.

Brutais são os métodos de planejamento e controle chineses, e em grande parte ineficientes. Mas impiedoso-mor é o tempo, que esconde o que está a frente e quando adiante chegamos, não permite o volta-atrás. O tempo não lê planos estratégicos. O tempo não se curva a controles humanos. Mas o tempo, requer o respeito a causalidade e esta dita que nossas ações não se findam quando achamos que tal. Causalidade é uma linha iniciada no início dos tempos e que continua a ser tecida para além daquilo que conseguimos ver.

Senão no infinito, há que se ver longe. Longe no tempo.

Parabolizarás


Parábolas são recursos típicos da Bíblia, Jesus falou muito por meio de parábolas que acabaram eternizadas no Livro Sagrado. Cristo era de inteligência máxima, num nível tão elevado que era impossível de igualar-se ou sequer compreender-se. O pensamento de nosso Senhor, certamente não se limitava às palavras do idioma local (o aramaico). Não se limitava a idioma algum, ou mesmo a flashes de imagens do mundo terreno. O pensamento divino do Filho de Deus era completamente abstrato.

Mas seus discípulos e aqueles que Ele pretendia converter à discípulos, falavam aramaico ou latim. A parábola foi o recurso discursivo que o próprio Jesus Cristo escolheu para explicar seus conceitos complexos, em termos que o homem fosse capaz de compreender.

Ativistas também enfrentam o desafio de explicar coisas complexas, embora em grau muito menor que o desafio de Jesus. Vez que somos todos homens comuns, um ativista só é mais sábio que seu parente não ativista nas questões relacionadas ao tema do seu próprio ativismo.

Cada um tem um assunto sobre o qual sabe mais, uma especialização por assim dizer. Ninguém sabe tudo de tudo, embora a democracia tenha nos conferido o direito - e até certo ponto a obrigatoriedade - de votarmos sobre tudo. O papel do ativista é então o de acompanhar os problemas sociais na plenitude de suas complexidades e abstrações, explicando para o cidadão comum (que também pode ser um ativista, mas em outra área) a emergência central de tal problema traduzida em termos leigos.

Para tal, recomendo utilizar parábolas, analogias, fábulas, metáforas e outros recursos textuais que apelem para a Rede de Modo Padrão do cérebro humano. Que combinem o máximo possível de memórias conhecidas, com o mínimo necessário de abstração cognitiva.

Tal como lanço mão de temáticas rurais e religiosas para escrever meus próprios textos. Inclusive este.

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