A previsão do futuro que já se faz presente
Aos quatorze de idade costeletas no meu perfil facial eram chamadas de "John Travolta" por adultos nem tão velhos que tomavam o estilo por algo de Grease, que era da época deles adolescentes mas que em si era de outra época. Gloriosos anos 50, nos Estados Unidos da América. Costeletas minhas queria que fossem de Isaac Asimov, que naquele tempo escreveu a trilogia "Foundation", mais tarde adaptada para versão jovens adultos em Star Wars.
Isaac Asimov. Créditos: Biblioteca de Boston |
Velho que estou, cabelo começando a ralear, acho que perfil capilar estilo Asimov nunca sustentarei. Mas começo a suportar algo ainda mais extraordinário, tão que o próprio escritor para si não teve senão em forma de ficção literária: a capacidade de prever o futuro.
A base de "Foundation" é que naquele futuro, matemáticos poderiam prever os tempos vindouros. Não tudo o que estaria por vir, porque a física quântica dita ser impossível dado o limite teórico de armazenamento e processamento de informações. Previa-se aquilo que era importante, sendo o destino da humanidade onipresente na Via Láctea milenar. Previa-se como a Folhinha Mariana prevê o tempo desde a época de D. Pedro II, sem precisão de data mas com certeza absoluta dos acontecimentos. Vez que trovoadas haverão de rufar em dezembro sobre as Minas Gerais, sempre.
Neste ano de peste e secas milenares, a Diocese de Mariana talvez erre pela primeira vez em 151 anos a previsão por completo. Talvez, e que se o for, será por conta do aquecimento global. Que não é padrão do século, embora o seja do milênio(s).
No século e meio de acertos, firmes na memória das trovoadas de dezembro, os padres previram o tempo a vir com base no tempo passado e no curso das coisas atuais. Mantido que fosse os trovões diminuindo no passar de janeiro à março, até se acabarem por completo em abril, de certo que em outubro voltariam para trovejar até dezembro.
Controle erosão em barranco de rio. Créditos: Arquivo Nacional EUA |
É da inércia das coisas, a natureza do movimento ditada por outro Isaac, o Newton. Força nula ou pequena opondo-se ao movimento, as coisas seguem o seu rumo e a água desce o rio erodindo o barranco, até escavar novo vale.
Saindo de Mariana em 1870, um padre em lombo de burro desceria pelas vertentes de Minas Gerais, passando por sobre os rios Grande e Sapucaí, veria tudo o que precisava de ver. Aquilo era Minas, em termos de pessoas. O resto era sertão.
O sistema sobre o qual ver o padrão climático, era aquele caminho de burro. Em Foundation, as variáveis da técnica de prever o futuro da humanidade, eram todas em escala reduzida encontradas no mundo-capital de Trantor. Ali, após anos de observações e cálculos, Seldon previu que o Império Galáctico iria cair. Não sabia exatamente quando, mas tinha certeza de que iria cair.
Cairia porque as forças para sua queda já estavam em operação, enquanto as forças de sua sustentação estavam em declínio. Ambas em caminhos irreversíveis dados os recursos e posições da época. Caminhos roucos, da vozes planas das ruas. Mas vozes o são, vozes do desejo de ação que vem da alma. Da alma daqueles que fazem acontecer e assim determinam o destino da humanidade.
Não constitui problema a água que corre no rio e o faz escavar vales ao longo dos milênios. É o natural das coisas, e os vales têm suas utilidades. Mas água que escorre em estrondo de enchente é problema, porque não se constrange ao curso imposto pelos barrancos. Transborda-se.
A enchente é imprevisível, principalmente ali em Mariana e cidades mais ao norte na Cordilheira do Espinhaço, onde se formam sorrateiras cabeças d'água. No fluir de minutos, erodem mais do que o correr gentil do rio escava em meses.
Enchente espanta, dá medo nos nadantes. Por isso que se preocupam na telinha do smartphone, para ver se vai chover naquele dia de braçadas em água de barro. Enchente é o inesperado que choca, o imediato que espanta. Tenho medo de enchentes? Não, tenho coragem e prudência. Preocupação sobre isto não deposito. Enchente quando vem, paro de nadar e saio. Quando passa, entro na água e volto a nadar.
Sobe-se o morro, e não se sente efeito da vargem alagada. Com muito esforço, constrói-se contenções como Três Marias e Furnas. Controlam-se todos os fluxos exacerbados e inesperados. Não nos assustamos mais, porque tudo passa ser o esperado.
Mas mesmo com parede de concreto, a água para de descer o rio? Não, não para. A erosão ali no passo do jacaré, no pé da Serra da Boa Esperança é contínua, mesmo nesta seca infernal de volume morto.
Preocupo-me é com o barranco, cada vez mais anunciado ano trás ano, porque a água que escorre lentamente, erode sem descanso. Ali no fundo das Furnas, areia sobre areia se acumula e é dragada, redragada e trêsdragada. Barbaças de aço, tão velhas que vistas parecem coladas por gambiarra ou mandinga qualquer. Mais velhas ficarão, a removerem areia, porque a erosão nunca para.
Como o oráculo de Foundation, trato de prever o futuro com a precisão da Folhinha Mariana olhando para a água que desce gentilmente o rio. Posto de vigia sobre barrancos nem só feitos de barro, observando cursos nem só de água. Estreitos como um ribeirão ou largos como um oceano, ambos de vozes roucas.
Dia desses irei à volta do Rio Grande, depois do passo do jacaré. Familiares que lá tenho perguntarão se a telinha do celular informa quando a chuva irá irrigar as plantações de café. Responderei que até dezembro choverá, não sei quando e nem quanto exatamente. Mas certeza absoluta tenho, que na precisão daquele momento à água está a descer o rio e a erodir barrancos.
Vê melhor não aquele que longe enxerga, mas quem de perto avista coisas para as quais os outros nem sequer abrem os olhos.
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