Mineiro de cidade pequena. Geograficamente, caminhei pouco no mundo. Mas aquilo que vi, o vi por inteiro. As imensidões interiores de cada um.
Vogons
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A vida é balanço. Assunte o amor, no qual só se ama alguém porque não se odeia-o. Pelo menos não no momento em que se ama, mesmo que depois mude e remude do ódio para o amor, que não disputo serem abeirados. Amar também é não ser neutro, a graduação que se dá àquilo que não se gradua distinto. Após odiar por décadas o estilo hiper-dramático de Ri Chun-hee, hoje passei a considerar como neutro o telejornal que esta norte-coreana ancora. Algo assumiu a posição distinta de odioso na minha escala de performance dentro do serviço público: a fiscal de contratos do Ministério da Saúde. Ressalvo que o único norte-coreano que conheci foi o Mateus, que vendia comida chinesa em Divinópolis. Não conheço pessoalmente ou interneticamente nada sobre a vida de Ri Chun-hee, trato apenas do seu trabalho público. O mesmo vale para a tal Regina Célia, do contrato da Covaxin, depoente deste seis de julho na CPI da Covid.
Odiando a Fiscal, o oposto eu deveria amar? Caso fosse, deveria amar a Âncora. Contraste maior só se encontra no gradiente de temperatura nos arredores de tokamaks, onde se varia um milhão de graus celsius por metro. Ri Chun-hee consegue transformar o pisar de Kim Jon-Un sobre uma folha seca no parque, em algo tão dramático quanto um teste nuclear. Regina Célia, transforma uma negociata de bilhões de reais, para vida ou morte de dezenas de milhares de brasileiros, num simples "OK" ou "NOOK" carimbado sobre o papel!
Fiscalizar o contrato de compra de um vidro de dipirona? OK ou NOOK. Fiscalizar o contrato de bilhões de reais, para o produto farmacêutico mais cobiçado do mundo, em meio a maior emergência de saúde da história desta Terra de Vera Cruz? OK ou NOOK. O resto, não era responsabilidade da Fiscal. Cara, crachá. Papel, carimbo.
A Fiscal é daquelas coisas que ficam escondidas na sala quando ali se tem um elefante no lugar da mesa de centro. Animal formidável este que por essas épocas é primo da peste ou similar a milícia. Na sala, a Fiscal é tijolo da parede, que somados formam parte mais importante que o próprio elefante atrator de vistas. Mas toda sala tem paredes, correto? Então a Fiscal é a norma, mesmo que é um péssima parede de adobe; substantivo bonito para barro, esterco e bambu.
Faz-se sala sem paredes? Não inteiramente sem, mas talvez pudesse ter menos vedações por tijolos ou estes poderiam ser de material melhor. Assim é o serviço público, sem o qual não se conhece organização social que se sustente, no entanto, que poderia ser melhor. Tijolos por funcionários, o Brasil tem doze milhões de funcionários públicos ativos. Compõe seis por cento da população desta nação que por sua vez ajunta três por cento da humanidade. Mantida a mesma proporção globalmente, neste pálido ponto azul jazem quatro centenas de milhões de assalariados com ou sem bônus no serviço público do Brasil, Canadá, Eritreia, Tuvalu e outras duas centenas de estados-nações.
Estou para Cristo, tenho dito. Idade que tenho, Nosso Senhor foi crucificado. Naquele tempo, apóstolos abriam sentenças com "naquele tempo", e a população mundial era no máximo duzentos milhões. Sem perigo de exagero, digo que os servidores públicos de hoje dariam duas Terrinhas da Época de Nosso Senhor. Assim como os Vogons, que formavam o serviço público civil e militar galáctico, na série de rádio o "Guia do Mochileiro das Galáxias", da BBC. Burocratas da escola búlgara, um planeta inteiro de seres que viviam em busca do meio enquanto o resto dos viventes buscava a mesma resposta que computador de Magrathea.
A série mais tarde viraria livro e em 2005 o filme famoso que assisti. Vogons são personagens criados pelo autor, Douglas Adams, para representar a visão que ele tinha sobre o serviço público britânico. Representar de forma grotesca, exagerada e repugnante. Nem todos os servidores públicos merecem tal, mas a Fiscal merece. Este texto é para ela e os outros Vogons do Ministério da Saúde. Na ficção, os Vogons da BBC destroem o planeta Terra para cumprir um planejamento burocrático devidamente escrito, carimbado, perdido, encontrado, revalidado, publicado no jornal do porão e por fim executado. Na realidade tupiniquim, os Vogons foram cúmplices de meio milhão de mortes muito reais e dolorosas.
Como quando bebês aprendendo a falar, aprendi inglês não no cursinho da tradução, mas do jeito infantil orgânico. Apple para mim é apple, não é maçã. Até aqui quantas palavras estão neste texto? Conte e repare no sentido primeiro de cada uma para você e piscarás no teu cérebro uma sucessão de imagens e acionamentos de redes neurais: emaranhados mentais que dão sentido as letras. Letra , que no dicionário Michaelis define-se assim: - Letra: (sf); (1) cada um dos sinais gráficos que representam um fonema ou um grupo de fonemas e servem para registrar a oralidade em linguagem escrita. Com exceção talvez da própria Henriette Michaëlis, ninguém guarda na mente essa definição do que significa "letra". Cada um é só, na forma como define o que é "letra" e qualquer outro substantivo. O significado das coisas depende da olhar do significador, mas tem hora que acho faria bem cada um ter um Michaelis fincado na cabeça: viveríamos no paraíso talvez. "É pecado matar, seu Pad...
Campainha-azul, minha versão de manuelzinho-da-crôa É a pino o sol e a peleja arde no debaixo, flagelando o sertanejo e o jagunço. Até que em vistas surge um manuelzinho-da-crôa canelando na sombra boa de um galho dedado, e mesmo que por átimo pequeno, do açoite os homens se esquecem. O manuelzinho-da-crôa muitas vezes já sentivi e cada lembro das diferentes cores, andamentos e voamentos. Porque ave essa que Diadorim tanto admirava, pássaro não era em si o de voar ou bicar, mas o jeito de ser e um ser visto que não se barrava só nos olhos, senão no sentir daquilo que tu se procura não achas, vez que um, paz só pode sentir quando do contraste da guerra que era alta e de repente se recolhe, na serenidade daquela avezinha em balé de graça alheio à baleira. Avezinha de cantarilhar ecoado, que quase não se ouve e quando sim é forma diminuta no quadro de guerra à frente. Há que se esquecer do chumbo, do aço e do sangue e vistas cerrar em pontinho azul e amarelo na árvore. A pois que a be...
Overlord é o codinome da mais soberana de todas as operações de guerra: a invasão da Normandia em 1944. Incontáveis histórias foram escritas, narradas e filmadas sobre tal batalha no norte da França. Das películas, para minha geração a mais marcante foi "O resgate do soldado Ryan", de 1998, onde havia um certo soldado chamado Adrian Carpazo. Meu avô não lutou na Segunda Guerra Mundial, mas teve seu primeiro filho na década de 1950, assim como dezenas de outros milhões de ex-soldados no ocidente. Criando bebês que os norte-americanos chamavam de "boomers". Aqui na roça faltam cinemas ainda hoje, quem dirá nos idos da segunda república. Pai e avô meus, provavelmente viram filmes sobre a Overlord juntos, talvez "Agonia e Glória" (1980) ou "O mais longo dos dias" (1962), na TV é claro. Nada de telona. A invasão de praias com longas faixas de areia, cercadas de dezenas de aldeias charmosas, com adegas abarrotadas de vinhos e a poucos quilômetros de P...
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